O PAPEL DOS TRABALHADORES NA CONSTRUÇÃO DO PODER LOCAL
Boa Tarde a todos.
A minha intervenção é sobre o papel dos trabalhadores na construção do Poder Local.
Como trabalhadores, e simultaneamente como cidadãos e utentes, a luta pelo Poder Local, pela sua melhoria e modernização, pelos serviços públicos locais, exigindo as condições necessárias para assegurar elevados padrões de qualidade a que as populações têm direito, são causas pelas quais nos devemos bater e parte integrante da sociedade justa e solidária que nos empenhamos em construir.
Dito isto, e para que a memória não se perca, começo por recordar que nem sempre o Poder Local e o seu exercício entre nós tiveram como fundamento a democracia.
Com efeito, o Poder Local Democrático emerge com o 25 de Abril, e é uma das suas principais conquistas, constituindo um lugar comum afirmar-se que é um elemento estruturante do nosso regime democrático.
Uma conquista, tal como muitas outras, erguida a pulso pelas populações, pelos trabalhadores, após a deposição das Câmaras e Juntas de Freguesia fascistas e a eleição ou nomeação de mulheres e homens para Comissões Administrativas, constituídas de imediato após o 25 de Abril de 1974, naquela que foi uma das mais expressivas e significativas acções do movimento popular subsequente à Revolução. O fascismo não foi só a supressão das liberdades, a opressão e a guerra, também eternizou uma situação de verdadeira miséria e marginalidade, não sendo de mais lembrar que na altura da Revolução, faltavam 700.000 habitações, 57 % das habitações não tinham água corrente, 36 % não tinha energia eléctrica, 87 % das sedes de concelho não realizavam o tratamento de águas poluídas e de esgotos ou que, mais de 1.500 povoações estavam privadas de qualquer acesso rodoviário.
É no decurso desse pujante e extraordinário movimento que logo nos primeiros dias levou a cabo profundas transformações na melhoria das condições sociais, em que a maioria da população participou com um grande entusiasmo, que a Constituição da República de 1976 consagra, pela primeira vez na nossa história, as autarquias locais como formas autónomas de administração e parte integrante da nova organização democrática do Estado.
Em 12 de Dezembro de 1976 tinham lugar as primeiras eleições autárquicas livres. Nesse dia foram eleitos 304 presidentes de câmaras municipais, 5135 deputados municipais e cerca de 26 mil deputados para as assembleias de freguesia.
Consolidava-se o Poder Local Democrático que implica a eleição democrática de órgãos próprios, agindo em total liberdade face a outros, com submissão apenas ao texto constitucional, às leis, aos tribunais em sede de aplicação dessas mesmas leis, e ao povo; um regime de atribuições e competências suficientemente amplas; a existência de meios técnicos, humanos e financeiros adequados e necessários para a prossecução dos interesses das populações.
Poder Local que ainda falta cumprir na sua plenitude, com a constituição das regiões administrativas.
Cumprindo a sua missão constitucional, as autarquias locais foram criando estruturas profissionais nas diferentes áreas de intervenção, que tiveram o duplo efeito de melhorar radicalmente a qualidade de vida das populações, e simultaneamente contribuir decisivamente para a criação de emprego de qualidade e especializado nas diferentes regiões do País, criando quadros próprios de pessoal que chegaram a atingir os 135 mil trabalhadores em 2010.
A sua acção pioneira após o 25 de Abril, numa primeira fase prioritariamente orientada para a construção de infra-estruturas, foi abarcando progressivamente novas áreas, por vezes até, muito para além das suas próprias atribuições e competências.
Se em alguns concelhos, ainda hoje, as autarquias constituem os principais empregadores, não é menos verdade que a sua crescente intervenção não só permitiu a acumulação de novos saberes e competências na Administração Local, como incentivou e impulsionou diferentes agentes económicos locais, com efeitos muito positivos no desenvolvimento local e no progresso geral do País.
É portanto inegável o imenso património construído ao longo das últimas décadas pelo Poder Local Democrático, elemento que é em si a demonstração cabal da sua importância para o desenvolvimento económico e social, provando ainda, enquanto elemento fulcral do regime democrático, que a descentralização administrativa só é autêntica e eficaz quando assente em órgãos com autonomia, próximos das populações, directamente eleitos e controlados por estas.
É este Poder Local, ancorado nos valores de Abril, que tem sido alvo de ataques por parte de sucessivos governos ao longo destas cinco décadas.
A longa lista de ataques ao Poder Local e à sua autonomia pode ser exemplificada pela criminosa extinção de 1.168 freguesias (a que os municípios escaparam por razões tácticas) e simultaneamente o encerramento de serviços públicos de proximidade, como escolas, extensões de saúde, estações de correios e outros, acentuou ainda mais a desertificação do interior do País.
Centralizou-se e concentrou-se a gestão da água e do saneamento tendo em vista a sua entrega a privados, privatizou-se a EGF, empresa de tratamento de resíduos, retirou-se competências aos municípios na fixação dos preços e tarifas destes serviços com o claro objectivo de garantir os lucros de futuros operadores privados.
Retirou-se às autarquias os recursos financeiros indispensáveis ao exercício das suas competências em prejuízo dos direitos das populações a serviços públicos de qualidade e acessíveis.
Avançou-se ainda com uma falsa «descentralização», por via da qual se municipalizaram importantes funções sociais do Estado, Educação, Saúde e Ação Social.
Os trabalhadores foram alvo de congelamento e reduções salariais; as carreiras congeladas desde 2005, e posteriormente destruídas em 2008, conduziram à desmotivação dos trabalhadores, ao aumento da flexibilidade e da polivalência funcional; reduziu-se o número de dias de férias; eliminaram-se feriados; o aumento de impostos e de contribuições reduziram o seu poder de compra em mais de 25 % neste período, recuando a níveis de 1997.
A remuneração base média mensal bruta, na Administração Local, é inferior ao valor médio da restante administração pública, com cerca de 20 % dos seus trabalhadores a auferirem apenas o Rendimento Mínimo Mensal Garantido. Cerca de 49 % do total de trabalhadores da administração local, concentrados sobretudo nos grupos de assistentes operacionais, operários e auxiliares, têm como remuneração base média mensal bruta 870,00 €.
São salários baixíssimos, e frisa-se que estamos a falar de médias e remunerações brutas, que diminuem fortemente a capacidade de atracção e fixação de trabalhadores por parte das autarquias e que naturalmente, desincentivam e desmotivam a sua participação e a intervenção.
Impôs-se ainda a redução obrigatória do número de trabalhadores que liquidou milhares de postos de trabalho.
Esta sangria, naturalmente, condicionou e restringiu fortemente a capacidade de realização autárquica, degradando e retardando as urgentes respostas às populações. Pois se aos eleitos é exigida a definição de um programa eleitoral e de um compromisso para a sua concretização, não é menos verdade que é aos trabalhadores que cabe planear, preparar e executar o seu cumprimento.
Os Acordos Colectivos de Empregador Público (ACEP), livremente negociados entre as autarquias e os sindicatos, por consagrarem a manutenção das 35 horas, sem banco de horas e a adaptabilidade de horários, foram ilegalmente bloqueados, vindo o Acórdão 494/2015 do Tribunal Constitucional reafirmar a autonomia do Poder Local.
Se este quadro constituiu e constitui para algumas autarquias um obstáculo que não transpuseram ou uma oportunidade para a entrega a privados, com custos elevadíssimos e por vezes pouco transparentes, de muitas funções e serviços públicos, desde a limpeza urbana, ao tratamento de espaços exteriores, aos serviços de manutenção e reparação dos edifícios, à reparação e melhoramento de vias municipais, aos serviços de abastecimento de água e esgotos e à exploração de equipamentos municipais, outras autarquias houve, como é o caso das autarquias CDU, que souberam resistir e que tiveram capacidade para com o apoio indispensável dos trabalhadores continuarem a assegurar serviços públicos de qualidade, afirmando a superioridade do poder local democrático.
Todos sabemos que o serviço público e os trabalhadores que o concretizam são o alvo directo da ofensiva neoliberal: o negócio privado para se afirmar como solução, precisa de serviços públicos desorganizados, funcionando em condições degradadas, com trabalhadores desmotivados, mal pagos e, de preferência, desqualificados.
Isto é, quanto pior for o serviço público, mais fácil é justificar a sua entrega ao sector privado.
Mas é também evidente que não se pode cuidar e desenvolver a cultura de serviço público perseguindo os objetivos da gestão privada de rentabilidade, desenvolvendo a lógica de competição entre os trabalhadores e minando por essa via a cultura de serviço público, cujo único objectivo terá de passar pela boa gestão de recursos com vista a obter elevados índices de satisfação das necessidades e aspirações das populações que representam.
Por todas estas razões, um dos principais desafios que as autarquias locais enfrentam e em particular as da CDU, apesar da difícil situação em que vivem, passa pela necessidade imperiosa de afectar o maior volume possível de recursos à valorização pessoal e profissional dos trabalhadores, à recuperação do desinvestimento muito acentuado na qualidade das instalações e das condições de trabalho, ao investimento na redução do esforço e penosidade no trabalho e à melhoria das condições de saúde, higiene e segurança no trabalho.
A gestão de pessoal nas autarquias tem de responder à necessidade da defesa do serviço público e da sua qualidade intrínseca, tem de promover o emprego público com direitos, tem de mobilizar, motivar e valorizar mais a participação dos seus trabalhadores, na definição dos objectivos pois os problemas resolvem-se com e não contra os trabalhadores, tem de rejuvenescer os seus quadros, combater o trabalho precário, como tem sido feito pelas autarquias da CDU.
É urgente prosseguir no sentido de valorizar e dignificar a autonomia do Poder Local Democrático, bem como dos seus trabalhadores, aumentando salários, valorizando carreiras, combatendo a precariedade, assegurando estabilidade no desempenho das funções em prol de serviços públicos de qualidade para todos.
Os desafios que se colocam à Administração Local, são muito exigentes, mas temos de estar conscientes da nossa força e da nossa razão, pelo que seremos capazes de estar à altura dessas exigências, certos de que se assim for, estaremos a contribuir para um Poder Local mais democrático, mais eficaz, mais capaz de servir os interesses das populações.
Nós acreditamos que o Poder Local tem futuro, e é por esse futuro que nos bateremos nos locais de trabalho, com as populações e os eleitos locais.
Muito Obrigado.